A DESOBEDIÊNCIA CIVIL DE THOREAU
O presente estudo tem como finalidade na
apresentação da Filosofia Política de Henry David Thoreau como forma de objeção aos domínios do Estado e principalmente como forma de protesto as
leis injustas impostas por ele, usando como referencia suas obras, em especial
seu ensaio "A Desobediência Civil". Este artigo também busca levantar e discutir à questão da validade da
Desobediência Civil trazendo algumas hipóteses contrárias e a favor desta
prática, mas principalmente discutir a importância da mobilidade social como
principal fundamento reparador no processo político. A desobediência civil seria o último recurso da cidadania mediante opressão ou falta de reconhecimento do próprio Estado.
Introdução
Após a independência
em 1776 e o devido reconhecimento como nação, a organização política
norte-americana se via dividida em duas tendências partidárias: a republicana
de Thomas Jefferson, que defendia maior autonomia para os estados, e a
federalista de Hamilton, que sustentava uma centralização governamental. No
entanto, em 1787 as duas tendências foram combinadas na constituição dos
Estados Unidos da América que assegurava uma república federalista
presidencialista com 13 estados autônomos, ou seja, com constituições próprias.
Em 1789 George Washington foi eleito o primeiro presidente dos Estados Unidos
da América e durante sua presidência o país teve avanços significativos no
comércio e na indústria, atraindo para si um grande contingente de imigrantes
europeus. Mais tarde com a Doutrina Monroe corporificou politicamente a expansão
econômica internacional, fundamentando o desenvolvimento capitalista do país,
promovendo um alastramento territorial e comercial, com a intenção de firmar
seus domínios diante possíveis invasores e principalmente explorar as
fronteiras do país para o livre comércio. Esta política de exploração do Oeste,
conquista de territórios que iam além dos seus atuais limites para dimensões
continentais do país, formação de um exército permanente e promoção de
massacres e expropriações de nativos e povos vizinhos, como o México em 1848
eram medidas consideradas fundamentais
para o progresso do país.
É neste
cenário que Henry David Thoreau vivenciou antes de se isolar da humanidade para
viver as margens do lago Walden. Thoreau foi um grande defensor da vida simples
e da prática naturalista, condenando o novo estilo de vida capitalista que os
Estados Unidos se encaminhava. Para ele os homens pagavam um preço muito alto
para se conquistar um “suposto” progresso material e econômico, pois os homens
perdiam algo de grande estima, a sua humanidade[2],
portanto, Thoreau condenava o Estado e suas estruturas de poder, entre elas, o
consumismo que se propagava neste período, desvirtuando os homens de suas reais
necessidades para viverem escravizados por coisas banais; o trabalho escravo
que ainda era uma realidade, principalmente nos estados do sul; a formação de
um exército permanente que entrava em guerras de interesse de alguns poucos que
controlavam a máquina do governo, promovendo a morte desnecessária de vários
homens e a falta de comprometimento em empreendimentos próprios. Thoreau neste
sentido propõe um novo olhar sobre a noção de liberdade, principalmente por que
o povo americano acreditava construir um país livre de tiranias. É preso devido
ao não cumprimento da lei, que obrigava todo cidadão, mesmo aqueles que não
possuíam posses a pagarem impostos ao Estado. Segundo algumas fontes este
episódio foi o motor movente para que Thoreau escreve-se seu ensaio “A
Desobediência Civil” em 1849. Atualmente é considerado o pai do anarquismo, e
sua obra é conhecida como o livro gênese da bíblia dos Libertários e
principalmente por ter servido de inspiração a notoriedades históricas como
Leon Tolstoi e Gandhi.
Este
trabalho busca evidenciar alguns pontos importantes da obra de Thoreau, como e
porque se dá a relação Estado e Indivíduo na visão de Thoreau; a defesa da
desobediência civil como forma de oposição as leis injustas; e também a
justificativa da não existência do Estado. O método investigativo proposto é a
análise hermenêutica da obra, visando sempre contextualizar com o período
histórico, obras correlatas do autor e a forma de pensar de uma cultura que
começava a criar uma identidade própria, americana, e não mais como colônia
européia. O trabalho também almeja ascender o debate, referente à questão da
legitimidade moral da desobediência civil, como instrumento público de última
instância no processo político e questões pertinentes ao assunto nos dias
atuais.
Thoreau Libertário ou Anarquista?
Para Thoreau não existe governo que seja
suficientemente bom, classificando a relação governo e pessoas como uma mera
conveniência, ao menos em sua grande maioria, isto quando não considera uma
completa inconveniência para a população, ou seja, o melhor governo, segundo
Thoreau, é o que governa menos, ou ainda, é aquele que absolutamente não
governa nada. É desta forma que Thoreau inicia sua obra, com palavras fortes e
concisas, porém ao longo da obra, Thoreau não se atem a uma explicação das
razões da sujeição das pessoas ao Estado, apenas acredita que as pessoas se
deixam governar por conveniência, que seria a crença de meios que propiciariam
benefícios, como acúmulo de valores e bens materiais, além da proteção do
mesmo, previsto por leis[3].
Thoreau
era um crítico ferrenho ao novo estilo de vida capitalista que seus concidadãos
buscavam viver. Para ele esse novo estilo de vida tornava as pessoas em
verdadeiros escravos de suas próprias coisas, havendo uma inversão de quem
pertencia a quem, levando as pessoas para uma sujeição espontânea ao consumismo
e consequentemente ao Estado que fomentaria e se fortaleceria disso. Partindo
da tese de que as pessoas são munidas de todas as capacidades e habilidades
para viverem muito bem sem nada que não fosse essencial para a sua
sobrevivência, através de uma boa educação valorizando o caráter moral como
ponto de partida para o bem viver, dispondo dos clássicos como base
referencial, também valorizando o conhecimento científico para sobrevivência em
harmonia com a natureza, além do conhecimento técnico para trabalhar e
sustentar-se a partir da extração dos frutos da terra, Thoreau também
acreditava que o Estado seria governado por alguns poucos que visavam atender
apenas os seus interesses, governando sob a bandeira de muitos (a democracia
especificamente) deixando de lado as verdadeiras necessidades dos seus
cidadãos. Portanto, para Thoreau a existência de um Estado regulador é algo
injustificável.
Para Thoreau o governo era uma grande e complexa
máquina (como uma locomotiva) que guiava as pessoas para os mais tenebrosos
caminhos. Aqueles que buscavam tornar-se seus maquinistas, mesmo quando bem
intencionados, acabavam por se corromper diante ao encantamento do poder da
máquina. Para ele essa máquina era nociva para o caráter dos bons homens,
encarando-a como um mau patológico desconhecido.
Thoreau acreditava que está máquina somente se
mantém integra graças à sujeição das pessoas que o sustentam, agindo de forma
omissa aos fatos[4].
Assim como Thoreau, Etienne de La Boéti[5],
pensador do século XVI mais conhecido por ser amigo de Montaigne, escreveu seu
tratado, intitulando-o de “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, que trazia ao
debate à questão da relação homens e Estado. La Boéti tratava essa relação como
uma patologia social, denominando-a de “irracionalidade da servidão” e
descrevendo-a como um tipo de vício ou doença coletiva.
Thoreau neste sentido não busca aprofundar-se
nesta questão, mas ressalta que a grande maioria dos seus concidadão e pessoas
de seu período não estariam preparados para tais idéias libertárias, pois de
alguma forma acreditam que somente o Estado poderá lhes proporcionar segurança
e dignidade, baseada na crença da liberdade e justiça, através das leis que
constituem o Estado, porém, Thoreau acredita que a partir do momento que as
pessoas despertarem do seu sono de ignorância e perceberem que estão perdendo
tempo e energia de suas vidas, buscando construir um destino fundado numa
ilusão chamada de necessidade[6] e
livrarem-se de suas posses, vivendo exclusivamente da terra e seus frutos, os
homens estariam preparados para libertarem-se das amarras da opressão do
Estado, pois a partir deste momento os próprios homens ao perceber o quanto o
Estado é inútil e desnecessário extirpariam os canais que constituem as forças
do governo e desta forma a revolução estaria completa e o governo deixaria de
existir:
“se
houvesse alguém que pudesse viver inteiramente sem o uso do dinheiro, o próprio
Estado hesitaria em exigir-lhe pagamento.” [7]
Entretanto, tentar
caracterizar Thoreau numa linha de pensamento me parece um tanto precipitado,
pois ao longo do seu ensaio, Thoreau não deixa claro sua posição referente seu
ideal de liberdade, me parecendo haver uma clara ambigüidade entre o anarquismo
e o libertarismo, assim como em alguns momentos da narrativa me pareceu haver o
mesmo problema entre objeção de consciência e desobediência civil. No entanto,
acredito que Thoreau não tinha intenção da formação de um sistema baseado em
grupos associados, mas sim, a reparação de um sistema deformado pela incoerencia
de uma concepção de justiça equivocada, visando uma ética com princípios
baseados no jusnaturalismo, buscando a maximização dos direitos das pessoas e a
limitação dos poderes do Estado. Mas a grande pergunta a isto é se o
libertarismo não recai no anarquismo em algum momento? Indiferente a isso,
Thoreau suscita para o debate a questão até onde as pessoas devem aceitar a
autoridade e sujeição ao Estado quando a própria lei é injusta. Nesse sentido
Thoreau tematiza grande parte do seu ensaio fundamentando e justificando esta
ação como legítima e necessária. E a partir disso que Thoreau me parece se
encaixar melhor ao libertarismo que o anarquismo, mas é inegável que a obra de
Thoreau foi sem dúvida uma porta aberta para os ideais anárquicos posteriores.
A Defesa da Desobediência Individual como
Protesto a Injustiça
Para Thoreau a lei da cobrança de impostos era
indevida servindo unicamente para o financiamento dos interesses de alguns
poucos: a guerra contra o México, matança e desapropriação de índios, além da
permanência da escravidão no país. Portanto, o pagamento de tal tributo seria
algo ilegítimo e imoral, pois desta forma os contribuintes estariam se tornando
coniventes, verdadeiros agentes da injustiça. Contrário a esta medida, Thoreau
decide não pagar os impostos demonstrando todo seu descontentamento com a lei,
pela qual considerava desproporcional, devido a ineficiência do Estado,
referente a políticas públicas, pois segundo Thoreau, o Estado por si só não
apoiava nenhuma forma de empreendimento, logo qualquer cobrança de impostos
seria um descabimento. Para Thoreau o único dever que qualquer pessoa deve
devotar-se irrevogavelmente é na erradicação de todo tipo de injustiça, mesmo a
maior delas. Com isso a única obrigação que os homens devem assumir é agir
conforme a sua consciência, ou seja, estar comprometido com aquilo que
acreditam ser correto, portanto, justifica sua atitude de objeção a lei como um
ato natural de direito seu ou de qualquer pessoa consciente e livre que busque
através dos seus atos a verdade perante Deus e seus concidadãos.
No entanto, a Desobediência Civil seria, segundo
Thoreau, a única forma eficaz de protestar contra a máquina do governo,
extinguindo seus recursos. Mas para o sucesso do movimento as pessoas deveriam
recusar-se a pagar seus impostos, que seria a forma pacífica de desobediência
civil:
“se
mil homens se recusassem a pagar seus impostos, este ano, esta não seria uma
medida violenta e sangrenta (...) esta é de fato, a definição de uma revolução
pacífica, se tal for possível.” [8]
Mas se caso houvesse a necessidade de
derramamento de sangue (desobediência não pacífica), segundo o autor, essa
prática é tão equivalente quanto à opressão, que produz sofrimento, medo e
desonra:
“Já não se derrama uma espécie de sangue
quando a consciência é ferida? Através do ferimento esvai-se a verdadeira
coragem e imortalidade de um homem, e ele sangra até a morte.” [9]
Para Thoreau ambas são legítimas desde que
contemplem os objetivos de advertir de forma pública que as condições para uma
cooperação livre estão a ser violadas, recorrendo de qualquer forma ao sentido
de justiça da maioria das pessoas. Porém a prática da desobediência civil
levanta uma questão bastante interessante: a desobediência civil é um ato
moralmente aceito pelas pessoas, justificável e válida pela sua utilidade e
disposição como regulador social?
A Desobediência Civil é Moralmente Aceita?
Para esta questão
Thoreau dispõe de um argumento muito simples e logicamente viável: se um homem
sem propriedade alguma se recusa uma única vez a contribuir com nove xelins
para o Estado é aprisionado por um período de tempo ilimitado por qualquer lei
que seja, determinado apenas pelo critério pessoal daqueles que o colocaram
ali. Mas se esse mesmo homem tivesse roubado para o Estado noventa vezes nove
xelins, teria sido considerado um criminoso ou não? Para Thoreau, o segundo
caso, apesar de ser considerado um criminoso em qualquer lugar do mundo, este
seria para o Estado um homem de bem. Um exemplo disto é o massacre de Amritsar
na Índia em 13 de abril de 1919 em que centenas de indianos foram mortas pelas
forças das companhias comerciais britânicas sob o comando do general Reginald
E. Dyer que alegava ter agido conforme aprovação do povo britânico que vivia na
Índia, outra parcela considerável da Inglaterra, inclusive a Câmara dos Lordes.
Após o fato o general Dyer tornou-se um herói para os ingleses que o premiaram
por seus atos com 26 mil libras recebidos de doações populares por seus atos de
coragem, ainda sendo posteriormente reformado com uma pensão integral por ter
salvado o país de um motim.[10]
Para
Thoreau os homens têm o dever de seguirem aquilo que acreditam ser justo; a lei
jamais tornou os homens mais justos, e mesmos aqueles que são bem
intencionados, transformam-se em agentes da injustiça quando as leis são
injustas, logo a desobediência civil é perfeitamente aceitável na sua visão,
pois para ele o conceito de justiça não está implicado no consenso, mas sim, na
consciência de cada um e qualquer pessoa que faça objeção a determinada lei,
não teria a obrigação de obedecê-la, pois para essa pessoa essa lei é tão
injusta que na realidade ela poderia se sentir livre de qualquer sujeição
dela.
Segundo os críticos
desta prática da desobediência civil, Thoreau cai no absurdo de um falso dilema
da responsabilidade própria, ou seja, ou somos responsáveis e assumimos a causa
desobedecendo à lei injusta na tentativa de mudá-la ou assumimos a nossa
parcela de culpa por aceitarmos a perpetuação da injustiça. Para seus críticos mesmo
que se reconheça que há leis injustas, é sempre possível alterá-las por meios
estritamente legais. Além de acusarem a prática da desobediência civil como ato
antidemocrático, desrespeitando a vontade da maioria, ou de incitar paro o
anarquismo, portanto, a desobediência seria uma prática imoral.
No entanto, os argumentos de seus críticos
incidem, somente sobre regimes democráticos e não, por exemplo, em regimes
totalitaristas que não há nenhuma estrutura básica de uma sociedade
razoavelmente justa. Também a mudança por meios legais, segundo o próprio
Thoreau, acarreta o problema de que a eliminação da injustiça pode ser
demasiadamente lenta:
“quanto a adotar os meios que o
Estado propiciou para remediar o mal, nada sei sobre eles. Levam tempo demais e
a vida se esgotaria (...). Não tenho maior obrigação de enviar petições ao
governador ou à legislatura do que eles a mim, e, se não atenderem a minhas
solicitações, o que devo fazer?” [11]
Para Thoreau a
desobediência civil não pretende desrespeitar a opinião da maioria, mas apenas
busca advertir que a maioria está errada ao serem coniventes com determinadas
leis que provam serem injustas, mesmo que seja para uma minoria, além do fato
que nem sempre as leis representam a vontade de todos.
Referente ao ato antidemocrático,
Thoreau não era um simpatizante da democracia e seus meios de fazer presente
como sistema político, considerando, por exemplo, o voto, um procedimento
insuficiente de manifestação da vontade pública, pois o ato da votação, segundo
Thoreau, é muito semelhante ao ato de apostar em um jogo de Damas ou Gamão,
porém é uma aposta muito alta para simplesmente deixar pela sorte dos jogadores[12]. Também
não podemos esquecer que durante muito tempo o direito ao voto sempre foi
exclusividade de uma minoria, portanto, não era uma representação da vontade da
maioria, mas sim, apenas uma minoria que decidia pelos seus interesses,
desconsiderando a opinião dos demais integrantes do corpo social:
“ouço
falar de uma convenção a se realizada em Baltimore, ou em algum outro lugar,
para a escolha de um candidato à Presidência, formada principalmente por
diretores de jornais e políticos profissionais. Mas pergunto: que importância
tem para qualquer homem independente, inteligente e respeitável a decisão a que
eles possam chegar? Não poderemos ter, apesar disso, os benefícios de sua
sabedoria e honestidade? Não poderemos contar com alguns votos independentes?” [13]
Quanto à questão do anarquismo, Thoreau não deixa
claro sua posição apesar de ter uma inclinação para o anarquismo, mas também
acredito que ele não tinha pretensões de substituir sistemas e instaurar o
anarquismo como pregado por outros pensadores, mas sim, o libertarismo como
prática do estado da natureza. Entretanto, sua obra é considerada o primeiro
registro de um esboço anarquista, influenciando grandes nomes do anarquismo
como Bakunin e James Guillaume. Mas também devemos lembrar que todos os
exemplos de desobediência civil na história da humanidade, sejam sangrentos ou
pacíficos, foram movimentos que na sua grande maioria não tinham a intenção de
derrubar sistemas políticos para instaurar o anarquismo, mas sim, como
reparação do sistema. Ou seja, é evidente que o viver em contrato social é
muito mais vantajoso do que em pleno estado de natureza, isto é, a história
confirma que a ideia da desobediência civil se tornou uma ferramenta muito mais
importante como reparação de determinadas injustiças na sociedade, como por
exemplo, Gandhi na Índia, Nelson Mandela na África do Sul e Martin Luther King
Jr nos EUA, além de exemplos atuais, como as revoltas no Egito e na Líbia que
surgiram como movimentos que buscavam reparar graves falhas em suas
constituições, não perpetuado um estado de desordem total, mas sim, para
alterações no quadro legal de seus países. A desobediência civil seria o último recurso para lutar contra um sistema opressor, quando nenhum outro recurso legal tenha surtido efeito.
Conclusão
Para os críticos da desobediência civil a teoria
do contrato social explica a natureza da moralidade e o Estado existe para
aplicar e regulamentar um conjunto de regras que facilitem o convívio social
entre todos. Segundo Hobbes os homens somente vivem sob júdice do Estado e suas
regras, simplesmente porque não conseguem viver pacificamente entre eles.
Quando aceitamos os benefícios deste acordo, deixamos recair em nós mesmos a
obrigação de cumprir com o nosso dever de respeitar e colaborar que tais benefícios
se perpetuem também para os outros. Portanto, as leis são um instrumento de
coordenação, mediante problemas de ordem prática e como resultado do contrato,
teríamos a obrigação em obedecer à lei. Mas quando às leis que constituem o
Estado são injustas e excludentes, teríamos a final a obrigação de obedecê-las?
Em que circunstâncias devemos obedecer a uma lei injusta?
Acredito que à lei pode até garantir certa
ordenação social, mas não têm garantia alguma de fazer uma sociedade mais justa
para todos, assim como Thoreau, que dizia que leis não faziam homens mais
justos. Segundo os críticos mais severos da desobediência civil às leis devem
sempre ser obedecidas, considerando que é preferível sofrer uma injustiça a
cometê-la. Ou ainda que as leis sejam passiveis de mudança, sendo a única forma
de vivermos em justiça e harmonia é obedecendo-as. Mas quando a lei é a própria
personificação da injustiça, como nos casos de racismos, as partes lesadas
simplesmente devem se calar e aceitar estoicamente as determinações da lei?
Acredito que não, pois isto não é democracia. Se uma regra é determinada para
que todos a cumpram, logo todos também devem ser beneficiados por ela, mas
quando o benefício não é mútuo ou quando não há benefício algum, é mais do que
legítimo e válido o descumprimento das obrigações da lei.
Segundo John Finnis, um dos grandes críticos da desobediência civil, defende a ideia que
seguir a consciência é uma conseqüência intelectual do próprio constituir-se
como pessoa, e ao buscarmos seguir aquilo que acreditamos ser correto, seria
irracional que alguém deliberasse e julgasse que fosse apropriado fazer
determinada ação ou adotar determinado compromisso, e depois não fazer aquilo
que sua consciência lhe apontou como correto e razoável. Portanto, é razoável
se opor a uma norma que acredito ser inadequada, mas isso ainda dá o direito de
descumprimento das leis, ou seja, aqueles que se sintam injustiçados devem
buscar a reparação dentro dos meios legais, pois assim não estaria contra seus
princípios e não estaria desrespeitando a lei da autoridade. Mas Finnis também
ressalta governo que não cumpra com sua função, desviando sua autoridade do
favorecimento do bem comum para empregá-lo de forma arbitrária em favor de si
próprio ou contra seus inimigos, este governo perde toda a sua autoridade,
acarretando em um descontentamento geral. Neste caso para Finnis a
desobediência civil é aceita, mas somente quando os meios legais demonstram-se
insuficientes[14].
Para John Rawls um dos grandes expoentes da
filosofia política a desobediência civil somente é válida como movimento
legítimo, quando a sociedade deixa de apresentar determinada estrutura básica
de justiça, excedendo certos limites de injustiça, mas para Rawls um movimento
de desobediência civil somente é válida como forma de protesto pacífica, na
qual se viola deliberadamente a lei para combater publicamente uma grande
injustiça, buscando sempre a reparação por meio da reconsideração ao senso de
justiça das demais pessoas.[15] Para
Rawls existe uma distinção entre desobediência civil: a pacífica e a
não-pacífica. A primeira é válida e aceitável como instrumento democrático, já
a segunda é terrorismo, na qual é condenável. Acredito que essa distinção de
John Rawls é perfeitamente correta e justificável, basta remetermos a história
e perceberemos que todas as manifestações não-pacíficas sempre foram condenadas
pela maioria das pessoas como sendo um ato condenável, por exemplo, o movimento
de libertação da Irlanda com Michael Collins liderando ataques terroristas. Ou
na própria Índia que segundo Gandhi, justificava a não opção da luta armada,
que somente legitimaria a resistência dos Ingleses de libertarem o país de sua
opressão. Ou seja, quero dizer que quando a luta e resistência contra
injustiças são levantadas e estendidas até a opinião popular, o equilíbrio
reflexivo tende a ser predominante na maioria dos casos e a partir do apoio dos
demais é que o movimento ganha proporção e força. Já em casos em que a
violência foi utilizada como meio de desobediência as pessoas tendem a olhá-lo
com desconfiança, tornando-se muito mais difícil um convencimento da opinião
pública.
Portanto, acredito que não existe um movimento
que se torne legítimo e válido sem o apoio da opinião das demais esferas
sociais – mas devo acrescentar que justiça somente é realizada quando se há bom
senso, pois aquilo que não é apoiado simplesmente é varrido pela história sendo
simplesmente esquecida ou será considerada condenável. Portanto, a
desobediência civil é um importante instrumento do processo político,
principalmente o democrático, quando se faz de modo pacífico, de caráter
público, conscientizador, buscando reparar o quadro legal vigente.
Alex Machado da Silveira[1]
Thoreau, Henry David – A Desobediência Civil; tradução de Sérgio
Karam, editora: LPM&Pocket, Porto Alegre, 1997.
Thoreau, Henry David – Walden; tradução de Denise Bottmann, editora:
LPM&Pocket, Porto Alegre, 2010.
Rawls, John – Uma Teoria da Justiça, editora: Martins Fontes, São
Paulo, 2002.
Shirer, William L. – Gandhi a Memoir, distribuidora Record do Brasil,
2006.
Finnis, John – Lei Natural e Direitos Naturais; tradução de Leila
Mendes; editora: Unisinos, São Leopoldo, 2007.
[1] Aluno de Graduação em Filosofia
pela PUCRS – trabalho de Filosofia Política
[2] Pág. 11 – (A Desobediência Civil)
“Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, depois súditos.”
[3] Pág. 7 Thoreau, Henry David – A
Desobediência Civil.
[4] Pág. 16 ibidem.
[5] (1530 - 1563) – Obra que foi
divulgada por Montaigne em 1571.
[6]
Pág. 19 Thoreau, Henry David – Walden ou A Vida nos Bosques.
[7]
Pág. 33 ibidem.
[8]
Pág. 32 ibidem.
[9]
Pág. 24 ibidem.
[10] Pág. 27, 28 – Shirer, William L.; Gandhi a
Memoir.
[11]
Pág. 27 ibidem.
[12]
Pág. 19 ibidem.
[13]
Pág. 20 ibidem.
[14]
Pág. 89 – 115 Finnis, John – Lei Natural e Direito Natural.
[15]
Pág. 389 – 398 Rawls, John – Uma
Teoria da Justiça.
Comentários
Postar um comentário