A DESOBEDIÊNCIA CIVIL DE THOREAU

 Resumo
O presente estudo tem como finalidade na apresentação da Filosofia Política de Henry David Thoreau como forma de objeção aos domínios do Estado e principalmente como forma de protesto as leis injustas impostas por ele, usando como referencia suas obras, em especial seu ensaio "A Desobediência Civil". Este artigo também busca levantar  e discutir à questão da validade da Desobediência Civil trazendo algumas hipóteses contrárias e a favor desta prática, mas principalmente discutir a importância da mobilidade social como principal fundamento reparador no processo político. A desobediência civil seria o último recurso da cidadania mediante opressão ou falta de reconhecimento do próprio Estado.  
Introdução
            Após a independência em 1776 e o devido reconhecimento como nação, a organização política norte-americana se via dividida em duas tendências partidárias: a republicana de Thomas Jefferson, que defendia maior autonomia para os estados, e a federalista de Hamilton, que sustentava uma centralização governamental. No entanto, em 1787 as duas tendências foram combinadas na constituição dos Estados Unidos da América que assegurava uma república federalista presidencialista com 13 estados autônomos, ou seja, com constituições próprias. Em 1789 George Washington foi eleito o primeiro presidente dos Estados Unidos da América e durante sua presidência o país teve avanços significativos no comércio e na indústria, atraindo para si um grande contingente de imigrantes europeus. Mais tarde com a Doutrina Monroe corporificou politicamente a expansão econômica internacional, fundamentando o desenvolvimento capitalista do país, promovendo um alastramento territorial e comercial, com a intenção de firmar seus domínios diante possíveis invasores e principalmente explorar as fronteiras do país para o livre comércio. Esta política de exploração do Oeste, conquista de territórios que iam além dos seus atuais limites para dimensões continentais do país, formação de um exército permanente e promoção de massacres e expropriações de nativos e povos vizinhos, como o México em 1848 eram  medidas consideradas fundamentais para o progresso do país.
 É neste cenário que Henry David Thoreau vivenciou antes de se isolar da humanidade para viver as margens do lago Walden. Thoreau foi um grande defensor da vida simples e da prática naturalista, condenando o novo estilo de vida capitalista que os Estados Unidos se encaminhava. Para ele os homens pagavam um preço muito alto para se conquistar um “suposto” progresso material e econômico, pois os homens perdiam algo de grande estima, a sua humanidade[2], portanto, Thoreau condenava o Estado e suas estruturas de poder, entre elas, o consumismo que se propagava neste período, desvirtuando os homens de suas reais necessidades para viverem escravizados por coisas banais; o trabalho escravo que ainda era uma realidade, principalmente nos estados do sul; a formação de um exército permanente que entrava em guerras de interesse de alguns poucos que controlavam a máquina do governo, promovendo a morte desnecessária de vários homens e a falta de comprometimento em empreendimentos próprios. Thoreau neste sentido propõe um novo olhar sobre a noção de liberdade, principalmente por que o povo americano acreditava construir um país livre de tiranias. É preso devido ao não cumprimento da lei, que obrigava todo cidadão, mesmo aqueles que não possuíam posses a pagarem impostos ao Estado. Segundo algumas fontes este episódio foi o motor movente para que Thoreau escreve-se seu ensaio “A Desobediência Civil” em 1849. Atualmente é considerado o pai do anarquismo, e sua obra é conhecida como o livro gênese da bíblia dos Libertários e principalmente por ter servido de inspiração a notoriedades históricas como Leon Tolstoi e Gandhi.
 Este trabalho busca evidenciar alguns pontos importantes da obra de Thoreau, como e porque se dá a relação Estado e Indivíduo na visão de Thoreau; a defesa da desobediência civil como forma de oposição as leis injustas; e também a justificativa da não existência do Estado. O método investigativo proposto é a análise hermenêutica da obra, visando sempre contextualizar com o período histórico, obras correlatas do autor e a forma de pensar de uma cultura que começava a criar uma identidade própria, americana, e não mais como colônia européia. O trabalho também almeja ascender o debate, referente à questão da legitimidade moral da desobediência civil, como instrumento público de última instância no processo político e questões pertinentes ao assunto nos dias atuais.
Thoreau Libertário ou Anarquista?
Para Thoreau não existe governo que seja suficientemente bom, classificando a relação governo e pessoas como uma mera conveniência, ao menos em sua grande maioria, isto quando não considera uma completa inconveniência para a população, ou seja, o melhor governo, segundo Thoreau, é o que governa menos, ou ainda, é aquele que absolutamente não governa nada. É desta forma que Thoreau inicia sua obra, com palavras fortes e concisas, porém ao longo da obra, Thoreau não se atem a uma explicação das razões da sujeição das pessoas ao Estado, apenas acredita que as pessoas se deixam governar por conveniência, que seria a crença de meios que propiciariam benefícios, como acúmulo de valores e bens materiais, além da proteção do mesmo, previsto por leis[3].
 Thoreau era um crítico ferrenho ao novo estilo de vida capitalista que seus concidadãos buscavam viver. Para ele esse novo estilo de vida tornava as pessoas em verdadeiros escravos de suas próprias coisas, havendo uma inversão de quem pertencia a quem, levando as pessoas para uma sujeição espontânea ao consumismo e consequentemente ao Estado que fomentaria e se fortaleceria disso. Partindo da tese de que as pessoas são munidas de todas as capacidades e habilidades para viverem muito bem sem nada que não fosse essencial para a sua sobrevivência, através de uma boa educação valorizando o caráter moral como ponto de partida para o bem viver, dispondo dos clássicos como base referencial, também valorizando o conhecimento científico para sobrevivência em harmonia com a natureza, além do conhecimento técnico para trabalhar e sustentar-se a partir da extração dos frutos da terra, Thoreau também acreditava que o Estado seria governado por alguns poucos que visavam atender apenas os seus interesses, governando sob a bandeira de muitos (a democracia especificamente) deixando de lado as verdadeiras necessidades dos seus cidadãos. Portanto, para Thoreau a existência de um Estado regulador é algo injustificável.
Para Thoreau o governo era uma grande e complexa máquina (como uma locomotiva) que guiava as pessoas para os mais tenebrosos caminhos. Aqueles que buscavam tornar-se seus maquinistas, mesmo quando bem intencionados, acabavam por se corromper diante ao encantamento do poder da máquina. Para ele essa máquina era nociva para o caráter dos bons homens, encarando-a como um mau patológico desconhecido.
Thoreau acreditava que está máquina somente se mantém integra graças à sujeição das pessoas que o sustentam, agindo de forma omissa aos fatos[4]. Assim como Thoreau, Etienne de La Boéti[5], pensador do século XVI mais conhecido por ser amigo de Montaigne, escreveu seu tratado, intitulando-o de “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, que trazia ao debate à questão da relação homens e Estado. La Boéti tratava essa relação como uma patologia social, denominando-a de “irracionalidade da servidão” e descrevendo-a como um tipo de vício ou doença coletiva.
Thoreau neste sentido não busca aprofundar-se nesta questão, mas ressalta que a grande maioria dos seus concidadão e pessoas de seu período não estariam preparados para tais idéias libertárias, pois de alguma forma acreditam que somente o Estado poderá lhes proporcionar segurança e dignidade, baseada na crença da liberdade e justiça, através das leis que constituem o Estado, porém, Thoreau acredita que a partir do momento que as pessoas despertarem do seu sono de ignorância e perceberem que estão perdendo tempo e energia de suas vidas, buscando construir um destino fundado numa ilusão chamada de necessidade[6] e livrarem-se de suas posses, vivendo exclusivamente da terra e seus frutos, os homens estariam preparados para libertarem-se das amarras da opressão do Estado, pois a partir deste momento os próprios homens ao perceber o quanto o Estado é inútil e desnecessário extirpariam os canais que constituem as forças do governo e desta forma a revolução estaria completa e o governo deixaria de existir:
se houvesse alguém que pudesse viver inteiramente sem o uso do dinheiro, o próprio Estado hesitaria em exigir-lhe pagamento.” [7]
            Entretanto, tentar caracterizar Thoreau numa linha de pensamento me parece um tanto precipitado, pois ao longo do seu ensaio, Thoreau não deixa claro sua posição referente seu ideal de liberdade, me parecendo haver uma clara ambigüidade entre o anarquismo e o libertarismo, assim como em alguns momentos da narrativa me pareceu haver o mesmo problema entre objeção de consciência e desobediência civil. No entanto, acredito que Thoreau não tinha intenção da formação de um sistema baseado em grupos associados, mas sim, a reparação de um sistema deformado pela incoerencia de uma concepção de justiça equivocada, visando uma ética com princípios baseados no jusnaturalismo, buscando a maximização dos direitos das pessoas e a limitação dos poderes do Estado. Mas a grande pergunta a isto é se o libertarismo não recai no anarquismo em algum momento? Indiferente a isso, Thoreau suscita para o debate a questão até onde as pessoas devem aceitar a autoridade e sujeição ao Estado quando a própria lei é injusta. Nesse sentido Thoreau tematiza grande parte do seu ensaio fundamentando e justificando esta ação como legítima e necessária. E a partir disso que Thoreau me parece se encaixar melhor ao libertarismo que o anarquismo, mas é inegável que a obra de Thoreau foi sem dúvida uma porta aberta para os ideais anárquicos posteriores. 
A Defesa da Desobediência Individual como Protesto a Injustiça
Para Thoreau a lei da cobrança de impostos era indevida servindo unicamente para o financiamento dos interesses de alguns poucos: a guerra contra o México, matança e desapropriação de índios, além da permanência da escravidão no país. Portanto, o pagamento de tal tributo seria algo ilegítimo e imoral, pois desta forma os contribuintes estariam se tornando coniventes, verdadeiros agentes da injustiça. Contrário a esta medida, Thoreau decide não pagar os impostos demonstrando todo seu descontentamento com a lei, pela qual considerava desproporcional, devido a ineficiência do Estado, referente a políticas públicas, pois segundo Thoreau, o Estado por si só não apoiava nenhuma forma de empreendimento, logo qualquer cobrança de impostos seria um descabimento. Para Thoreau o único dever que qualquer pessoa deve devotar-se irrevogavelmente é na erradicação de todo tipo de injustiça, mesmo a maior delas. Com isso a única obrigação que os homens devem assumir é agir conforme a sua consciência, ou seja, estar comprometido com aquilo que acreditam ser correto, portanto, justifica sua atitude de objeção a lei como um ato natural de direito seu ou de qualquer pessoa consciente e livre que busque através dos seus atos a verdade perante Deus e seus concidadãos.
No entanto, a Desobediência Civil seria, segundo Thoreau, a única forma eficaz de protestar contra a máquina do governo, extinguindo seus recursos. Mas para o sucesso do movimento as pessoas deveriam recusar-se a pagar seus impostos, que seria a forma pacífica de desobediência civil:
“se mil homens se recusassem a pagar seus impostos, este ano, esta não seria uma medida violenta e sangrenta (...) esta é de fato, a definição de uma revolução pacífica, se tal for possível.” [8] 
Mas se caso houvesse a necessidade de derramamento de sangue (desobediência não pacífica), segundo o autor, essa prática é tão equivalente quanto à opressão, que produz sofrimento, medo e desonra:
 “Já não se derrama uma espécie de sangue quando a consciência é ferida? Através do ferimento esvai-se a verdadeira coragem e imortalidade de um homem, e ele sangra até a morte.” [9]
Para Thoreau ambas são legítimas desde que contemplem os objetivos de advertir de forma pública que as condições para uma cooperação livre estão a ser violadas, recorrendo de qualquer forma ao sentido de justiça da maioria das pessoas. Porém a prática da desobediência civil levanta uma questão bastante interessante: a desobediência civil é um ato moralmente aceito pelas pessoas, justificável e válida pela sua utilidade e disposição como regulador social?
A Desobediência Civil é Moralmente Aceita?
            Para esta questão Thoreau dispõe de um argumento muito simples e logicamente viável: se um homem sem propriedade alguma se recusa uma única vez a contribuir com nove xelins para o Estado é aprisionado por um período de tempo ilimitado por qualquer lei que seja, determinado apenas pelo critério pessoal daqueles que o colocaram ali. Mas se esse mesmo homem tivesse roubado para o Estado noventa vezes nove xelins, teria sido considerado um criminoso ou não? Para Thoreau, o segundo caso, apesar de ser considerado um criminoso em qualquer lugar do mundo, este seria para o Estado um homem de bem. Um exemplo disto é o massacre de Amritsar na Índia em 13 de abril de 1919 em que centenas de indianos foram mortas pelas forças das companhias comerciais britânicas sob o comando do general Reginald E. Dyer que alegava ter agido conforme aprovação do povo britânico que vivia na Índia, outra parcela considerável da Inglaterra, inclusive a Câmara dos Lordes. Após o fato o general Dyer tornou-se um herói para os ingleses que o premiaram por seus atos com 26 mil libras recebidos de doações populares por seus atos de coragem, ainda sendo posteriormente reformado com uma pensão integral por ter salvado o país de um motim.[10]
 Para Thoreau os homens têm o dever de seguirem aquilo que acreditam ser justo; a lei jamais tornou os homens mais justos, e mesmos aqueles que são bem intencionados, transformam-se em agentes da injustiça quando as leis são injustas, logo a desobediência civil é perfeitamente aceitável na sua visão, pois para ele o conceito de justiça não está implicado no consenso, mas sim, na consciência de cada um e qualquer pessoa que faça objeção a determinada lei, não teria a obrigação de obedecê-la, pois para essa pessoa essa lei é tão injusta que na realidade ela poderia se sentir livre de qualquer sujeição dela. 
            Segundo os críticos desta prática da desobediência civil, Thoreau cai no absurdo de um falso dilema da responsabilidade própria, ou seja, ou somos responsáveis e assumimos a causa desobedecendo à lei injusta na tentativa de mudá-la ou assumimos a nossa parcela de culpa por aceitarmos a perpetuação da injustiça. Para seus críticos mesmo que se reconheça que há leis injustas, é sempre possível alterá-las por meios estritamente legais. Além de acusarem a prática da desobediência civil como ato antidemocrático, desrespeitando a vontade da maioria, ou de incitar paro o anarquismo, portanto, a desobediência seria uma prática imoral.
No entanto, os argumentos de seus críticos incidem, somente sobre regimes democráticos e não, por exemplo, em regimes totalitaristas que não há nenhuma estrutura básica de uma sociedade razoavelmente justa. Também a mudança por meios legais, segundo o próprio Thoreau, acarreta o problema de que a eliminação da injustiça pode ser demasiadamente lenta:
quanto a adotar os meios que o Estado propiciou para remediar o mal, nada sei sobre eles. Levam tempo demais e a vida se esgotaria (...). Não tenho maior obrigação de enviar petições ao governador ou à legislatura do que eles a mim, e, se não atenderem a minhas solicitações, o que devo fazer?” [11]
            Para Thoreau a desobediência civil não pretende desrespeitar a opinião da maioria, mas apenas busca advertir que a maioria está errada ao serem coniventes com determinadas leis que provam serem injustas, mesmo que seja para uma minoria, além do fato que nem sempre as leis representam a vontade de todos.
            Referente ao ato antidemocrático, Thoreau não era um simpatizante da democracia e seus meios de fazer presente como sistema político, considerando, por exemplo, o voto, um procedimento insuficiente de manifestação da vontade pública, pois o ato da votação, segundo Thoreau, é muito semelhante ao ato de apostar em um jogo de Damas ou Gamão, porém é uma aposta muito alta para simplesmente deixar pela sorte dos jogadores[12]. Também não podemos esquecer que durante muito tempo o direito ao voto sempre foi exclusividade de uma minoria, portanto, não era uma representação da vontade da maioria, mas sim, apenas uma minoria que decidia pelos seus interesses, desconsiderando a opinião dos demais integrantes do corpo social:
“ouço falar de uma convenção a se realizada em Baltimore, ou em algum outro lugar, para a escolha de um candidato à Presidência, formada principalmente por diretores de jornais e políticos profissionais. Mas pergunto: que importância tem para qualquer homem independente, inteligente e respeitável a decisão a que eles possam chegar? Não poderemos ter, apesar disso, os benefícios de sua sabedoria e honestidade? Não poderemos contar com alguns votos independentes?” [13]
Quanto à questão do anarquismo, Thoreau não deixa claro sua posição apesar de ter uma inclinação para o anarquismo, mas também acredito que ele não tinha pretensões de substituir sistemas e instaurar o anarquismo como pregado por outros pensadores, mas sim, o libertarismo como prática do estado da natureza. Entretanto, sua obra é considerada o primeiro registro de um esboço anarquista, influenciando grandes nomes do anarquismo como Bakunin e James Guillaume. Mas também devemos lembrar que todos os exemplos de desobediência civil na história da humanidade, sejam sangrentos ou pacíficos, foram movimentos que na sua grande maioria não tinham a intenção de derrubar sistemas políticos para instaurar o anarquismo, mas sim, como reparação do sistema. Ou seja, é evidente que o viver em contrato social é muito mais vantajoso do que em pleno estado de natureza, isto é, a história confirma que a ideia da desobediência civil se tornou uma ferramenta muito mais importante como reparação de determinadas injustiças na sociedade, como por exemplo, Gandhi na Índia, Nelson Mandela na África do Sul e Martin Luther King Jr nos EUA, além de exemplos atuais, como as revoltas no Egito e na Líbia que surgiram como movimentos que buscavam reparar graves falhas em suas constituições, não perpetuado um estado de desordem total, mas sim, para alterações no quadro legal de seus países. A desobediência civil seria o último recurso para lutar contra um sistema opressor, quando nenhum outro recurso legal tenha surtido efeito.
Conclusão
Para os críticos da desobediência civil a teoria do contrato social explica a natureza da moralidade e o Estado existe para aplicar e regulamentar um conjunto de regras que facilitem o convívio social entre todos. Segundo Hobbes os homens somente vivem sob júdice do Estado e suas regras, simplesmente porque não conseguem viver pacificamente entre eles. Quando aceitamos os benefícios deste acordo, deixamos recair em nós mesmos a obrigação de cumprir com o nosso dever de respeitar e colaborar que tais benefícios se perpetuem também para os outros. Portanto, as leis são um instrumento de coordenação, mediante problemas de ordem prática e como resultado do contrato, teríamos a obrigação em obedecer à lei. Mas quando às leis que constituem o Estado são injustas e excludentes, teríamos a final a obrigação de obedecê-las? Em que circunstâncias devemos obedecer a uma lei injusta?
Acredito que à lei pode até garantir certa ordenação social, mas não têm garantia alguma de fazer uma sociedade mais justa para todos, assim como Thoreau, que dizia que leis não faziam homens mais justos. Segundo os críticos mais severos da desobediência civil às leis devem sempre ser obedecidas, considerando que é preferível sofrer uma injustiça a cometê-la. Ou ainda que as leis sejam passiveis de mudança, sendo a única forma de vivermos em justiça e harmonia é obedecendo-as. Mas quando a lei é a própria personificação da injustiça, como nos casos de racismos, as partes lesadas simplesmente devem se calar e aceitar estoicamente as determinações da lei? Acredito que não, pois isto não é democracia. Se uma regra é determinada para que todos a cumpram, logo todos também devem ser beneficiados por ela, mas quando o benefício não é mútuo ou quando não há benefício algum, é mais do que legítimo e válido o descumprimento das obrigações da lei.
Segundo John Finnis, um dos grandes críticos da desobediência civil, defende a ideia que seguir a consciência é uma conseqüência intelectual do próprio constituir-se como pessoa, e ao buscarmos seguir aquilo que acreditamos ser correto, seria irracional que alguém deliberasse e julgasse que fosse apropriado fazer determinada ação ou adotar determinado compromisso, e depois não fazer aquilo que sua consciência lhe apontou como correto e razoável. Portanto, é razoável se opor a uma norma que acredito ser inadequada, mas isso ainda dá o direito de descumprimento das leis, ou seja, aqueles que se sintam injustiçados devem buscar a reparação dentro dos meios legais, pois assim não estaria contra seus princípios e não estaria desrespeitando a lei da autoridade. Mas Finnis também ressalta governo que não cumpra com sua função, desviando sua autoridade do favorecimento do bem comum para empregá-lo de forma arbitrária em favor de si próprio ou contra seus inimigos, este governo perde toda a sua autoridade, acarretando em um descontentamento geral. Neste caso para Finnis a desobediência civil é aceita, mas somente quando os meios legais demonstram-se insuficientes[14].
Para John Rawls um dos grandes expoentes da filosofia política a desobediência civil somente é válida como movimento legítimo, quando a sociedade deixa de apresentar determinada estrutura básica de justiça, excedendo certos limites de injustiça, mas para Rawls um movimento de desobediência civil somente é válida como forma de protesto pacífica, na qual se viola deliberadamente a lei para combater publicamente uma grande injustiça, buscando sempre a reparação por meio da reconsideração ao senso de justiça das demais pessoas.[15] Para Rawls existe uma distinção entre desobediência civil: a pacífica e a não-pacífica. A primeira é válida e aceitável como instrumento democrático, já a segunda é terrorismo, na qual é condenável. Acredito que essa distinção de John Rawls é perfeitamente correta e justificável, basta remetermos a história e perceberemos que todas as manifestações não-pacíficas sempre foram condenadas pela maioria das pessoas como sendo um ato condenável, por exemplo, o movimento de libertação da Irlanda com Michael Collins liderando ataques terroristas. Ou na própria Índia que segundo Gandhi, justificava a não opção da luta armada, que somente legitimaria a resistência dos Ingleses de libertarem o país de sua opressão. Ou seja, quero dizer que quando a luta e resistência contra injustiças são levantadas e estendidas até a opinião popular, o equilíbrio reflexivo tende a ser predominante na maioria dos casos e a partir do apoio dos demais é que o movimento ganha proporção e força. Já em casos em que a violência foi utilizada como meio de desobediência as pessoas tendem a olhá-lo com desconfiança, tornando-se muito mais difícil um convencimento da opinião pública. 
Portanto, acredito que não existe um movimento que se torne legítimo e válido sem o apoio da opinião das demais esferas sociais – mas devo acrescentar que justiça somente é realizada quando se há bom senso, pois aquilo que não é apoiado simplesmente é varrido pela história sendo simplesmente esquecida ou será considerada condenável. Portanto, a desobediência civil é um importante instrumento do processo político, principalmente o democrático, quando se faz de modo pacífico, de caráter público, conscientizador, buscando reparar o quadro legal vigente.

Alex Machado da Silveira[1]


 Referências Bibliográficas
Thoreau, Henry David – A Desobediência Civil; tradução de Sérgio Karam, editora: LPM&Pocket, Porto Alegre, 1997.
Thoreau, Henry David – Walden; tradução de Denise Bottmann, editora: LPM&Pocket, Porto Alegre, 2010.
Rawls, John – Uma Teoria da Justiça, editora: Martins Fontes, São Paulo, 2002.
Shirer, William L. – Gandhi a Memoir, distribuidora Record do Brasil, 2006.
Finnis, John – Lei Natural e Direitos Naturais; tradução de Leila Mendes; editora: Unisinos, São Leopoldo, 2007.


[1]              Aluno de Graduação em Filosofia pela PUCRS – trabalho de Filosofia Política
[2]              Pág. 11 – (A Desobediência Civil) “Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, depois súditos.”
[3]              Pág. 7 Thoreau, Henry David – A Desobediência Civil.
[4]              Pág. 16 ibidem.
[5]              (1530 - 1563) – Obra que foi divulgada por Montaigne em 1571.
[6]                Pág. 19 Thoreau, Henry David – Walden ou A Vida nos Bosques.
[7]                Pág. 33 ibidem.
[8]                Pág. 32 ibidem.
[9]                Pág. 24 ibidem.
[10]               Pág. 27, 28 – Shirer, William L.; Gandhi a Memoir.
[11]               Pág. 27 ibidem.
[12]               Pág. 19 ibidem.
[13]               Pág. 20 ibidem.
[14]               Pág. 89 – 115 Finnis, John – Lei Natural e Direito Natural.
[15]               Pág. 389 – 398  Rawls, John – Uma Teoria da Justiça.

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