PARA QUE FILOSOFIA?


Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata, de modo que quando se pergunta "para quê?", o que se quer saber é: "Qual a utilidade?, Para que serve isso?, Que uso proveitoso ou vantajoso posso fazer disso?"
Eis por que ninguém pergunta "para que as ciências?", pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação dos conhecimentos científicos para criar instrumentos de uso, desde o cronômetro, o telescópio e o microscópio até a luz elétrica, entre outros.
Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte (tidas como mais importantes quanto mais altos forem seus preços de mercado), como porque nossa cultura vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade (ao mesmo tempo que, paradoxalmente, nossa sociedade é capaz de rejeitá-los e maltratá-los se suas obras forem verdadeiramente revolucionárias e inovadoras, pois, nesses casos, não são "úteis" para o estabelecido).
Parece, que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, por meio de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas admitem a existência da verdade, a necessidade de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, o estabelecimento da tecnologia como aplicação prática e de teorias, e sobretudo, que elas confiam na racionalidade dos conhecimentos, isto é, que são válidos não só por que explicam os fatos mas também porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados.
Verdade, pensamento racional, procedimentos especiais para conhecer fatos, aplicação prática de conhecimentos teóricos, correção e acúmulo de saberes: esses objetivos e propósitos das ciências não são científicos, são filosóficos e dependem de questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas.
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. 
Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que é preciso determinar claramente o uso que se pode fazer dela. Dizem então que, de fato, a Filosofia não serve pra nada, se servir for entendido como a possibilidade de fazer uso técnico dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo lucros com eles. Para quem pensa dessa forma, o interesse da Filosofia não estaria nos conhecimentos (que ficam por conta das ciências), nem nas aplicações práticas da teorias (que ficam por conta das tecnologias), mas nos ensinamentos morais ou éticos. Portanto, a Filosofia seria a arte do bem viver ou da vida correta e virtuosa. Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos outros seres humanos, a Filosofia teria como finalidade ensinar-nos a virtude, que é o princípio do bem viver. Essa definição da Filosofia, porém, não nos ajuda muito.
De fato, mesmo para ser uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem viver, a Filosofia continua fazendo suas peguntas desconcertantes e embaraçosas. Assim, disséssemos que o objeto da Filosofia não é o conhecimento da realidade, nem o conhecimento da nossa capacidade para conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim o estilo filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois as perguntas filosóficas - o quê, por que e como - permanecem.

Chaui, Marilena - Convite à Filosofia pág.19




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