Vidas Secas - Graciliano Ramos



Vidas Secas é a história de Fabiano e sua família, além de sua cachorra Baleia na luta pela sobrevivência. O pano de fundo é a caatinga sertaneja e as dificuldades proporcionadas aqueles que vivem neste ambiente árduo, seja homens, seja animais fundindo-se em um único plano físico de um ambiente desgastado pela seca e a escassez ou podendo dizer de um mundo intolerável de castigos, privações e vergonha.
 Quanto a esta questão da formação dos personagens acredito que o autor  não procura fazer uma distinção ontológica entre eles os diferenciando apenas no plano simbólico, isto é, o lado bruto e instintivo (animalesco) do ser humano é acentuado de forma quase efetiva na sua tentativa de adaptar-se ao ambiente que o incita, o provoca na ânsia de viver. Isso fica evidente em algumas passagens do livro, como nas primeiras páginas em que Fabiano satisfeito com a momentânea vitória sobre a seca se autointitula como "homem", mas subitamente percebe que ele não era homem, mas sim, apenas uma cabra ocupado em guardar coisas dos outros, ou seja, Fabiano e sua família em sentido material também pertencem a alguém.

Quanto a esse ponto toda angústia de Fabiano me parece ser originada de uma única condição: "ser Livre". Ao mesmo tempo que Fabiano sente-se preso ao seu estado de natureza quase animalesco e restrito, o personagem também parece tomar consciência da sua responsabilidade em tornar-se senhor do seu destino, seguido em alguns momentos de uma súbita vontade de ser livre, expressa numa fúria irascível, porém não sabe como proceder se sentindo perdido, desamparado, corroido pela dúvida, jogado neste mundo para ser solitário. Podemos perceber isso no primeiro e último capítulos do livro chamados de "a mudança" e a "Fuga" em que Graciliano parece colocar essa dicotomia como consequência unicamente da escolha de seu personagem, isto é, escolher significa projetar-se adiante, como se os sujeitos vivessem por antecipação o engajamento na opção de um futuro em que a liberdade é um fato existencial que não pode ser negado ou renunciado.

Jogado a sua sofrida existência Fabiano não é amparado nem pelo Estado representado na figura do Soldado Amarelo que oprime e lhe causa a dor do escárnio, mas também por sua incapacidade de confiar e se relacionar com os outros, Fabiano recai num estado de catarse acreditando sempre estar sendo enganado pelos demais. Portanto, o inferno é o outro e Fabiano é obrigado a viver nessa incrédula condição insuportável de um mundo cruel.

A narrativa da história é toda em terceira pessoa, passando por alguns momentos de diálogo entre os personagens, mas o mais interessante desta obra de Graciliano é que a Linguagem tem um papel fundamental para o entendimento existencial dos personagens, principalmente de Fabiano que diante da sua incapacidade de se expressar, denota mais um aspecto animalesco do personagem preso a palavras incompreendidas, pensamentos e frases incompletos que resultam em grunidos, monossílabos ou frases sem sentido, expresso metaforicamente pelo autor ao falecido papagaio que não falava, apenas imitando uma única frase.
Quanto aos filhos, Graciliano busca retratar através da ótica da criança a compreensão da realidade por meio de arquétipos e o espanto de um novo mundo num jogo de palavras e coisas que ao mesmo tempo que se revelam tornam-se intrasponíveis. Em uma das passagens "da festa" os filhos do casal se deparam com uma quantidade enorme de objetos desconhecidos que livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas para eles atribuindo tudo aquilo a forças estranhas.
Já Sinhá Vitória um dos personagens mais importantes na minha opinião se revela como aquilo que completa o que falta a Fabiano, ou seja, apesar de estar restringida a divagações, reflexões ou momentos introspectivos pela falta de uma comunicação constante com o marido, Sinhá passa grande parte sonhando obsessivamente com uma cama de couro como condição de humanidade, isto é, somente gente pode descançar o corpo em uma cama.
Já a cachorra Baleia, personagem emblemático e muito interessante que em minha análise me parece em alguns momentos do livro, em especial no capítulo de sua morte, ser muito mais revestida de humanidade que o próprio Fabiano, pois logo no início do livro em um momento crítico de fome a cachorrinha cede sua caça a família, ficando com os ossos, assim como nos seu momento de agonia e dor que antecedem sua morte, é invadida por um sentimento de culpa sentindo-se preocupada com as suas obrigações.

Vidas Secas é uma obra sensacional, texto fácil de compreender, não há uma linearidade temporal que ligam os capítulos para dar sentido a história, pois a natureza dos personagens falam por si mesmo. É uma leitura agradável que pode ser explorada por outras perspectivas, tanto antropologicamente, como existencial, social e literária. Como o próprio título indica, Vidas Secas não retrata apenas a condição de aridez da região, mas pela falta do humanismo em um mundo que o homem é o lobo do próprio homem, como também pela abdução da forças vitais, das esperanças, dos sonhos que não morrem, mas são trocados, suprimidos ou apenas lembrados e vistos como algo impossível.

Fica a dica de leitura e faça suas próprias conclusões. O livro é muito bom, não irão se arrepender.

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